A. Esgoti

Sim, também estou perplexo com as últimas cenas da novela que se encerrou dias atrás. Poderia quase dizer indignado, pois os valores que sustêm a vida em sociedade foram desrespeitados de forma aparentemente vil ao longo da trama. Digo quase porque costumo me entregar a questões mais urgentes que o acompanhamento ou a crítica dessas opções televisivas. Pelo que consta, alguns se sentiram realmente desconfortáveis com as atrocidades que as linhas derradeiras revelaram. Não tenho condições de fazer uma avaliação rigorosa do folhetim, pois deixei de acompanhar esse tipo de produção há muito tempo. Mas, para que ficasse informado sobre as potenciais repercussões dessa proposta da telinha, acabei buscando notícias sobre o tão aclamado episódio final. É fato que alguns se sentiram chocados com a cena do par homossexual, o que sequer considerei, particularmente ao me deparar com outro festival - aquele envolvendo ódio, vingança, conspiração, preconceito, assassinato... Nossa sociedade está doente. Sim, adoeceu e a condição é potencialmente séria. Mas, o que esperar de um modelo que dá mais valor a bichos do que a pessoas? Se bem que muitas vezes os bichos conseguem ser mais humanos do que os próprios. Ora, sentir-se profundamente incomodado pela opção sexual do outro e não esboçar a menor reação diante do sofrimento do próximo ou de condutas abjetas representa uma das mais graves patologias que podem acometer nossa espécie. Não estou defendendo que o modelo de família desejável seja este ou aquele, até porque a decisão, os riscos e a responsabilidade sempre pertenceram ao campo pessoal. A questão é de outra ordem. Queremos instrumentalizar o outro de tal maneira que pouco nos importamos com os direitos e as garantias ignorados no processo. Para complicar ainda mais o quadro, vez por outra, entram em cena os moralistas de plantão que pretendem legitimar o seu repúdio ao direito alheio com textos sacros em mãos. É tão deplorável o estado em que se encontram os tais, que não conseguem perceber o óbvio: sua leitura usualmente é enviesada. Tendem a desprezar o fato de que as referências invocadas costumam estar inseridas num contexto que alinha a opção sexual com outras condutas igualmente rechaçadas, na perspectiva de seus autores: ódio, mentira, inveja, bebedeira, glutonaria, soberba, hipocrisia, etc. Noutras palavras, ainda não entenderam o significado de um ensino elementar: "é preciso primeiro retirar a trave encravada no próprio olho para, então, preocupar-se com o cisco que está no olho do outro".