Por muito tempo julguei que a recomendação do apóstolo para que se orasse sem cessar era direcionada a pessoas portadoras de alguma virtude especial ou que tivessem alcançado certo grau de desenvolvimento interior. Não questiono a existência de tais santos, afinal nossa história registra a passagem de alguns que marcaram o seu tempo, deixando exemplos inquestionáveis às futuras gerações sobre o que é ser genuinamente espiritualizado. A questão sempre foi de outra ordem, para mim. Na realidade, por um longo período busquei descobrir se as práticas da oração e da meditação poderiam representar recursos efetivos no enfrentamento de situações variadas e mesmo de alguns dos desafios que a vida costuma apresentar. Depois de uma caminhada razoável acabei percebendo que, assim como muitos, cometi um grave equívoco nessa área, ao imaginar que tais exercícios devessem se dissociar dos processos regulares de pensamento, sentimento, expressão pela fala ou por outros meios, além da conduta, claro. Assim colocada a situação, independentemente das bases que fundamentam nossas convicões, o que tenho percebido é que há uma espécie de correlação entre os acontecimentos e experiências que vivenciamos e aquela percepção que está encravada em nosso íntimo. Estou ciente de que alguns poderiam objetar com o argumento de que um não seria necessariamente causa do outro, além de que, se fosse o caso, a ordem poderia estar invertida, significando que as experiências viriam primeiro. Entretanto, o que é curioso nesse processo de autoconsciência é que quando nos alinhamos às impressões dessa bússola interna os acontecimentos parecem tender a um grau de correspondência tal com as crenças que supor tratar-se de mero acaso, antes de explicar alguma coisa, é postura que serve mais para justificar a inércia diante do desagrado presumidamente incontrolável. Não estou sugerindo que a solução dos males da humanidade passe apenas pelo controle de pensamentos, sentimentos e ações, pois a realidade costuma ser bem mais complexa do que pretende o mercado clássico da autoajuda. Mas, ignorar que podemos ter uma responsabilidade muito maior do que a que de forma usual cremos possuir pelo curso de nossas vidas, em vez de revelar cientificidade, realismo, prudência ou sabedoria é atitude que demonstra comprometimento - inconsciente - com a confirmação de profecias que por natureza são autorrealizáveis.
Autoconsciência e responsabilidade
Ariovaldo Esgoti
06/12/2013