Despertar


Vivemos num mundo que parece ter certa predileção por transferir responsabilidades. Se algo não vai tão bem, há a tendência quase que irresistível de se buscar culpados. Na outra via, se as coisas dão certo ou há progressos, igualmente, tende-se a se devotar à fonte, usualmente, externa ao próprio sujeito. Na prática, é como se o mundo fosse governado por forças antagônicas, algo que alguns dos antigos filósofos chamaram de sumo bem e sumo mal, a despeito de também encontrarmos referências à coexistência dessas forças numa mesma fonte, claro, sempre, alheia ao ser humano. Por outro lado, convivemos ainda com filosofias que não se cansam de realçar que tudo o que ocorre seria consequência de nosso modo habitual de pensar, falar e agir. Noutras palavras, nesta perspectiva, a conduta, desde seus movimentos mais sutis na (in)consciência, é que seria a causadora do que se classifica como bem ou como mal, o que implica na percepção de que, em vez de quaisquer outros, seríamos nós os únicos responsáveis pelo que de bom ou mau nos acontece direta ou indiretamente, seja por ação, seja por omissão. Contudo, como temos a liberdade de escolher, inclusive as justificativas que, porventura, privilegiaremos, quem quiser prosseguir se esquivando do papel que lhe cabe na vida certamente poderá fazê-lo, mas adiará o tão necessário despertar, que ocorre, em especial, com a compreensão de que não há herói ou vilão do lado de fora, aliás, nem mesmo deus(es) ou demônio(s), sem que primeiro exista(m) em nosso íntimo a(s) respectiva(s) tendência(s).