Autodeterminação e liberdade


Por mais paradoxal que possa parecer, a religião pode escravizar ou libertar a pessoa que com sinceridade pesquise sua história e mergulhe em sua filosofia, inclusive, investigando a coerência entre o discurso e a prática dos grupos de interesse desde a origem. Neste sentido, sua faceta escravizadora se revelará quando ou enquanto o adepto se eximir de sua responsabilidade por quaisquer dos aspectos de sua vida, curvando-se aos dogmas, cuja base é invariavelmente mitológica e cuja perpetuidade resulta principalmente do medo, que tende a ser reforçado pelo círculo em questão. Consequentemente, sua face libertadora se revelará quando ou enquanto o indivíduo, até então submisso àquelas ideias, em decorrência do livre exame das fontes dos sistemas de seu interesse, percebe-se como o único responsável por sua conduta, compreendendo que a realidade, na melhor das hipóteses, é questão de perspectiva, ou seja, tem caráter estritamente pessoal. É inegável que as religiões têm sido importantes para a humanidade ao longo dos séculos, sendo também inequívoco o seu potencial para a destruição e provocação de danos de toda sorte, já que usualmente conseguem manipular o lado animalesco do ser humano, o qual, a despeito do desenvolvimento cerebral e mental, pode agir como um predador. Por outro lado, isso não significa que a espiritualidade seja perniciosa, mas apenas que, se conduzida irrefletidamente, poderia desencadear tormentos variados, aliás, como também o podem quaisquer dos sistemas elaborados pelo ser humano, mesmo que travestidos de cientificidade. Afinal, o discurso, seja religioso ou mitológico, seja científico ou filosófico, sempre tem determinado propósito - benéfico ou não, dependendo dos interesses de quem o adota. No que me diz respeito, percebo que já fui um ardoroso defensor da primazia ora de um ora de outro dos modelos, inclusive de sua antítese e combatente máxima, conduta esta que por certo já não faz o menor sentido, visto que todos os sistemas estão em parte certos, estando também flagrantemente errados em outros aspectos. Noutras palavras, para o pensamento livre ou que aspira à liberdade, os sistemas têm o seu valor, podendo ser objeto de admiração, reflexão e aprendizagem, pois, a despeito das semelhanças com as demais espécies, cujo comportamento é predominantemente instintivo, o ser humano tem a capacidade de se autodeterminar e reciclar.