"Prove todas as coisas ou examine tudo, retendo o que é bom ou proveitoso". Essa máxima reconhecida ainda nos primeiros séculos desta era já é o bastante para demonstrar que a fé cristã, se levada a sério desde o início, estimularia o uso equilibrado da razão. Entretanto, isso não significa que desde sempre o entendimento tenha sido unânime, surgindo de tempos em tempos quem por motivos variados destoasse das lições iniciais, o que, aliás, também acabou justificando os primeiros concílios da Igreja nascente, bem como o acirramento de perseguições. Certamente, a história eclesiástica renderia debates acalorados e longas discussões, não sendo tarefa simples as investidas voltadas a discorrer sobre sua trajetória, mas é preciso reconhecer que ao longo dos anos têm sido produzidas belas obras nesse sentido; obras que conseguiram escapar ao viés tendencioso que costuma marcar esse gênero literário. Desafio que não tem como ser desprezado é o que diz respeito aos conflitos de interesse entre o poder político e o eclesiástico, seja no período em que ambos se confundiam, seja quando se distanciaram, isso porque tal característica ora ajudou ora comprometeu a atuação de parte do clero, como é reconhecido inclusive pela Igreja atual. Entretanto, a despeito dessas e de outras questões há uma peculiaridade na cultura vigente que destoa de forma dramática do que se poderia considerar razoável: a torpe tentativa de condenar a Igreja de hoje ou seus adeptos pelas falhas ou mesmo crimes que tenham sido cometidos em períodos remotos, sem sua contribuição ou participação direta. É de se estranhar esse viés, que com certa frequência se verifica, seja no meio acadêmico, seja por parte de líderes dissidentes da Igreja, visto que os "juízes" contemporâneos agem como se houvesse legitimidade na condenação dos filhos pelos pecados dos pais, ideal que se confirma como um flagrante absurdo. Ademais, se tal leitura fosse realmente correta poderíamos chegar ao extremo de defender que ateus, agnósticos e céticos em geral, além dos adeptos de vários dos cultos e ritos pós ou pré-cristãos com os quais a humanidade passou a conviver de forma mais intensa desde então, são analogamente responsáveis pelos crimes e pelas mazelas que os representantes dessas bandeiras têm promovido ao longo dos séculos. O fato é que independentemente do credo religioso, da fé ou do sistema filosófico a responsabilidade ainda se dá na exata medida da participação ou contribuição direta da pessoa a quaisquer condutas delituosas veementemente rechaçadas pela própria lei, isso para não adentarmos às eventuais sanções que cada modelo, sistema ou credo pode do mesmo modo contemplar. O que passar disso será mera falácia ideológica.
Falácia ideológica
Ariovaldo Esgoti
26/10/2015