Após o decurso de quase duas décadas desde que empreendi uma, por assim dizer, aventura filosófica, chego à constatação de que nossa sociedade passou por uma excessiva secularização, o que lhe privou dos filtros que a impediam de cometer os mais variados excessos, não colocando nada robusto o bastante em seu lugar. Passamos a conviver com desrespeitos em série à dignidade do ser humano, seja por convencê-lo de que precisa de quinquilharias desnecessárias, seja, dentre outros, por colocar a sua vida em risco, mediante a oferta de produtos sabidamente nocivos à saúde. Temos nos preocupado cada vez mais com o bem-estar de bichanos, o que até tem a sua razão de ser, mas desprezamos a criança em situação de abandono ou mesmo apoiamos, em alguns casos, o assassinato de bebês, classificando o ato covarde de aborto lícito, sob o respaldo de uma legislação pretensamente dignificadora, tentando aplacar nossas consciências com o torpe raciocínio de que a vida começaria somente com a respiração. Não se trata de debatermos sobre se o transcendente existe ou é ou mesmo se o apropriado seria privilegiarmos o imanente, o fato é que entregues ao relativismo moral temos o potencial de nos autodestruir ou de promover enormes danos em tudo o que nos cerca. Conseguimos retirar as pessoas das igrejas e as igrejas das pessoas sem avaliar de forma criteriosa o impacto que esse estilo de vida excessivamente liberal e libertino teria sobre o futuro da própria humanidade... Não estou afirmado aqui que a religião, por si, assegure santidade e bondade, até porque a história mostra que, se for mal utilizada (e com certa frequência o é), seria mais um instrumento de dominação, aliás, como acontece com quase todas as nossas elaborações. Se tiverem um viés ideológico, então... Essa leitura pode parecer um tanto pessimista, talvez simplista para alguns, mas verificando a curva dos gráficos, cujas estatísticas dão conta das perversões mundo afora, não parece plausível outra conclusão: a sociedade está, sim, doente, e seu estágio infelizmente é terminal. Segundo avalio, o quadro só iria mudar se houvesse uma real ruptura com a ideologia que nos está conduzindo a uma espécie de abismo existencial, tarefa essa que infelizmente nem a mais elaborada das teses acadêmicas ou científicas conseguirá levar adiante. No extremo do desafio, parece-me, afinal, que as poucas vozes sóbrias da atualidade, de fato, tenham razão quando defendem que nada superaria o amor fraterno enquanto diretriz reguladora das relações, inclusive transnacionais... Diante de tal assertiva é até provável que os mais renitentes ou inimigos da própria humanidade se levantassem vociferando, já que haveria outras propostas também passíveis de consideração, restando, assim, aos intelectualmente honestos a apresentação das opções integradoras realmente viáveis, caso existam.
A sociedade está doente
Ariovaldo Esgoti
29/09/2015