A profissão contábil e o COAF


Muitos têm se preocupado com os desdobramentos da Resolução CFC nº 1.445/2013 no exercício da profissão contábil, ato administrativo por meio do qual o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) pretendeu disciplinar os efeitos da Lei nº 9.613/1998 no âmbito da classe em questão.

A reflexão indubitavelmente merece ser considerada, pois toca numa questão de extrema sensibilidade nos dias atuais, especialmente ao verificarmos o número de ocorrências em que contadores e, não raro, auditores acobertaram condutas potencialmente fraudulentas.

Contudo, embora devamos levar em conta o posicionamento do CFC, dentre outras agências reguladoras, há um fato que precisa ser destacado no contexto de interpretações de normas jurídicas: toda manifestação de órgãos reguladores se situa no campo da produção de normas infralegais, ou seja, seus atos administrativos são incapazes de acrescentar algo à Lei, substituindo o Legislador.

Assim, o ponto que necessita ser investigado é se uma lei ordinária (no caso a 9.613, mas mesmo qualquer outra) é capaz de suplantar uma lei complementar, em especial, a que dispôs sobre o Estatuto da ME e da EPP - a de nº 123/2006.

Que fique registrado, nenhum profissional defenderia em sã consciência que a Lei da ME e da EPP abriga quaisquer condutas ilícitas, muito menos as tipificáveis como penais, o que significa que a incursão rechaçável, caso ocorresse, deveria se situar no âmbito da conduta culposa, jamais dolosa.

Assim, a despeito do discurso adotado pelo CFC na defesa da propriedade do atendimento à nova obrigação acessória instituída pela "Lei do COAF" (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), como classe sujeita ao Direito, o qual é, aliás, a matéria prima por excelência das produções e elaborações contábeis, precisamos examinar a temática desprovidos de paixões de quaisquer natureza.

Neste sentido, primando pela razão, o que implica em respeitarmos os Princípios Gerais do Direito, devemos nos empenhar na interpretação do assunto à luz da Ordem Constitucional vigente.

Ora, se a Lei Complementar nº 123 apenas disciplina o comando da própria Constituição Federal no sentido de que as microempresas e empresas de pequeno porte seriam favorecidas e contariam com tratamento diferenciado no âmbito de todos os Poderes do Estado, é razoável que concordemos quanto à aplicação arbitrária e excessivamente onerosa da Lei nº 9.613 às MEs e EPPs, que as equipara às empresas normais?

Objetivamente, compartilho do entendimento de que, em respeito à Ordem e ao Direito, só merecem crédito os atos administrativos e mesmo os comandos legislativos que respeitarem os princípios que regem sua produção, principiando pela observância de que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF/88, Art. 5º, II).

Logo, se a Lei Complementar, em sintonia com o espírito Constitucional, que certamente lhe antecedera, consagra a previsão de que "a ausência de especificação do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido ou da determinação de prazos máximos..., tornará a nova obrigação inexigível para as microempresas e empresas de pequeno porte", embora alguns resistam ou se sintam intimidados pelo órgão regulador, o fato é que quem pretender fazer valer o Direito tem um arsenal digno de nota em suas mãos.

Mas, claro, é preciso sempre levar em conta as particularidades do caso concreto, além de que as decisões devem ocorrer em sintonia com o entendimento do departamento jurídico das empresas potencialmente envolvidas pela nova obrigação acessória, especialmente refletindo sobre se é viável, na hipótese da profissão contábil, a declaração predominantemente negativa, como ingenuamente alguns têm orientado, além dos reflexos tanto desse tipo de declaração quanto daquelas que eventualmente devessem ser positivas, com detalhamento das operações tidas por suspeitas.

O fato é que o Conselho Federal de Contabilidade, por timidez ou por interpretação equivocada da matéria, têm se posicionando pelo acompanhamento irrestrito da classe contábil aos ditames que tocariam, em especial, em empresas normais, não fazendo diferenciação relevante entre elas e as microempresas e empresas de pequeno porte.

Naturalmente, somente se fechássemos os olhos à Ordem Constitucional seria possível tal defesa, mas o que poderíamos esperar de um órgão que consegue desprezar, por exemplo, o Código Civil no quesito elaboração de demonstrações contábeis, imaginando que seus atos regulatórios teriam força legislativa? Infelizmente, absurdos dessa natureza têm sido mais comuns do que se poderia vislumbrar.

A propósito, quem estiver de acordo com a leitura do Conselho não tem problema algum, basta acompanhar os seus mandos e desmandos. Mas, é recomendável que se reflita antes acerca dos impactos do caminho escolhido na estratégia de defesa, caso a qualidade das informações viessem a ser questionadas por algum órgão ou agente interessado, bem como sobre os efeitos mercadológicos da conduta.

Por fim, seria muito importante termos sempre em mente que do fato de que o contador deva primar pela conduta lícita não se conclui, necessariamente, que o profissional deva se conduzir como cordeiro rumo ao matadouro.