O papa Francisco se posicionou contrariamente à legalização de quaisquer drogas, basicamente por entender que, além dos problemas jurídicos, a utilização não produziria os efeitos vislumbrados. Não se discute, claro, o direito à opinião pessoal do pontífice, independentemente de se manifestar invocando ou não as prerrogativas de sua função frente ao clero ou à comunidade católica romana. Entretanto, é forçoso reconhecermos a ingenuidade da suposição de que o uso medicamentoso de alguma das substâncias ainda ilícitas iria proporcionar o mesmo grau de alteração da consciência que o oferecido por sua forma in natura. Ademais, no caso do uso de drogas ilícitas a própria sociedade já se posiciona majoritariamente na via oposta, sendo porém tolerante quanto ao consumo daquelas que a lei autoriza, o que não deve ser confundido com a prática medicinal. Por certo, causa estranheza a postura do papa, já que ele se mantém em silêncio a respeito do consumo das drogas lícitas. Além do mais, a própria doutrina da igreja permite o consumo de bebidas alcoólicas, o que por si torna flagrante a contradição de sua fala. Adicione-se a isso sua afirmação de que os medicamentos cujo princípio ativo fosse oriundo de alguma das substâncias condenadas pela igreja não conseguiriam produzir os efeitos defendidos pelos pesquisadores e a confusão estará caracterizada em definitivo, já que tal opinião não tem o respaldo de quaisquer bases objetivas e idôneas... Tenho grande respeito e consideração por ele, mas o fato é que nem que alegasse uma revelação especial conseguiria fundamentar de forma adequada a sua avaliação, visto que, como já bem disse o presidente Obama: a sociedade tem o direito e o dever de impedir crimes como o que Abraão estaria por cometer ao intentar a imolação de seu próprio filho. Noutras palavras, a decisão sobre essa e outras questões cabe à sociedade, não a este ou aquele grupo em particular. Na realidade, o desejável é que a fundamentação seja imparcial, primando, de fato, pelo bem-estar dos alcançados pelas medidas que vierem a ser adotadas, mesmo que a direção escolhida viesse a abalar quaisquer interesses... Só que infelizmente a equação é bem mais complexa.
A sociedade deve decidir sobre o uso de drogas
Ariovaldo Esgoti
24/06/2014